segunda-feira, 1 de novembro de 2010

DITADURA DO MKT ESTERILIZA DEBATE

Entrevista para o Jornal "O Estado de São Paulo. Domingo 31 de Outubro de 2.010.
Para especialistas, campanha foi uma das piores da história e candidatos se limitaram a cumprir seus scripts

Patrícia Campos Mello, de O Estado de S. Paulo

Candidatos engessados pelo marketing, com discursos parecidos, que nem sequer apresentaram programas de governo, debates com regras que emperram a discussão de propostas. Para especialistas, esta foi uma das piores campanhas eleitorais da história. A única que conseguiu se desvencilhar um pouco da ditadura do marketing, justamente por ter menos a perder, foi Marina Silva. "Ela pôde ser mais solta, porque não estava engessada; José Serra e Dilma Rousseff não fizeram nada que o marketing político não tivesse pré-aprovado", diz o cientista político Cesar Romero Jacob. "Dilma e Serra não conseguiam ter mais empatia com o público porque tinham decorado um texto, precisavam entrar no personagem."
Cientistas políticos não economizam em exemplos desse marketing que pasteuriza campanhas: o vai-e-vem de Dilma na questão do aborto e o surto de religiosidade de Serra, com distribuição de santinhos; o isolamento da petista em cercadinhos no primeiro turno, para afastar a imprensa, e a infeliz favela cenográfica do início do horário eleitoral tucano.
"Essas eleições devem estar batendo algum recorde de falta de discussões, de vazio de propostas", diz Vitor Paolozzi, autor do livro Murro na Cara: o Jeito Americano de Vencer Eleições. "Mas acho que nos EUA não é muito diferente. A Mary Matalin, assessora republicana, confessou que nas eleições de 1992 o programa de governo do Bush pai foi dado por terminado quando ficou com uma página a mais que o do (Bill) Clinton."
Paolozzi culpa também a imprensa pelo vazio da campanha. "Se depender das campanhas, as discussões serão sempre em torno de qual candidato tem o sorriso mais branco, cabe à imprensa cobrar", diz. O ex-prefeito do Rio Cesar Maia, candidato derrotado ao Senado pelo DEM e estudioso do marketing político, tem críticas ácidas. "Tivemos uma eleição de marketing político primário, típico de 50 anos atrás na América Latina, com o caudilho orientando o eleitor", diz. "Foi despolitizador: vote em mim porque ‘papá’ pede."
Para marqueteiros, um dos principais erros tucanos foi a demora de Serra para entrar na campanha, que deu uma vantagem à rival petista. O grande discurso de Serra – contra a inexperiência de Dilma – foi abalado pelos meses à frente que a petista teve para apresentar aos eleitores seu "currículo".
"Tivemos um ambiente plebiscitário, típico de reeleição, o que favoreceu Dilma, uma vez que Lula tem mais de 80% de aprovação", diz Carlos Manhanelli, presidente da Associação Brasileira de Consultores Políticos.
Na hora de determinar a imagem dos candidatos, as campanhas também falharam. Normalmente, marqueteiros enquadram candidatos em uma de quatro categorias. Ele pode ser o "herói", como o ex-presidente Fernando Collor de Mello, que tinha "aquilo roxo", caçava marajás, decidia e resolvia. Pode ser também o pai (ou mãe), como Getúlio Vargas, o defensor dos pobres. A terceira opção é o candidato "líder charmoso", como Juscelino Kubitschek, que conquistava com sua elegância e carisma. Ou pode ser o "homem simples", imagem encampada por Lula: "Se eu posso chegar lá, todos nós podemos." Para Manhanelli, os dois candidatos erraram ao adotar o mesmo discurso: de pai (no caso de Dilma, mãe).
Dilma aparece como mãe dos fracos e necessitados, "a mãe do PAC", a "mulher do Lula", com uma voz mais aveludada, que vai só continuar o que Lula fez. Dilma vem cuidar do povo e dar continuidade às ações do homem simples. Serra, em vez de se apresentar como herói, que iria resolver os problemas que Lula não resolveu, investiu na imagem de pai.
"Os dois adotaram discursos idênticos, de continuidade", diz o consultor. "Só que, com os dois se apresentando como a continuidade, a Dilma terá lastro maior, de Lula."
Para Manhanelli, João Santana, o marqueteiro do PT, conseguiu criar esse ambiente plebiscitário. "Temos uma campanha morna porque se trata apenas de sim ou não ao Lula", diz. "Se Serra tivesse se apresentado como herói, resolvedor, poderia incluir o programa na discussão."
Os debates na TV não cumpriram a função de ajudar os eleitores a escolherem seus candidatos. No início, não permitiam a réplica dos jornalistas. Era impossível contestar as respostas dos candidatos. No segundo turno, ficou ainda pior – jornalistas não podiam nem perguntar.
Temas. Nos EUA, o formato dos debates é bem diferente. Há espaço para réplicas e muitos são divididos por temas – política externa, saúde, economia.
Jacob lembra que a campanha de presidencial de Lula em 2002 foi das mais bem-sucedidas. Depois de três derrotas, ele seguiu a fórmula de Collor e de Fernando Henrique Cardoso de se articular com as oligarquias, os pentecostais, os populistas. E, com o "Lulinha paz e amor", afinou o discurso para a classe média, refratária a radicalismos do PT. "Depois das Havaianas, o Lula é o grande case de reposicionamento de marca", diz Jacob.
Nesta eleição, foi Marina quem conseguiu posicionar bem "seu produto". "Marina não ficou falando para ambientalistas, porque isso é como fazer sanduíche de pão com pão, eles já estavam com ela." Segundo Jacob, Marina jogou com a ideia de despolarização. "Teve o apoio de tucanos insatisfeitos com a campanha de Serra porque o tucano escondeu o Fernando Henrique, e o petista decepcionado, que em 2006 estava com Heloísa Helena e Cristóvão Buarque."
Já a campanha da Dilma repete 2006 – voltada para o centro político no primeiro turno, no segundo ela precisava pegar o eleitorado à esquerda do PT. A ênfase antiprivatização fez parte disso, assim como o anúncio de apoio do cantor Chico Buarque e do deputado Marcelo Freixo, do PSOL.
Em toda a campanha, a ênfase de Dilma foi falar ao eleitorado das classes C, D e E que quer ser incorporado à sociedade de consumo. Tudo isso se baseou na política de Lula do Bolsa-Família, do crédito consignado e dos aumentos reais do salário mínimo. Já o eleitor de Serra é mais conservador e sensível a questões como ética e corrupção.
"Dilma joga com o desejo da população de ter TV de LCD", diz Jacob. "Serra fala de ética, para classes que já têm os bens materiais."

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