DCI 05/12/11 - 00:00, POLÍTICA
Institucionalizadas com a Constituição de 1988, as frentes parlamentares ganham fôlego no legislativo em nível nacional e estadual fortalecendo causas variadas e deixando de lado questões ideológicas que, geralmente, tornam morosos e infrutíferos os debates.
- São Paulo"Minha mulher é conhecida como 'perna de jogador'. Não porque é grossa, mas por ser cabeluda". A frase é de autoria do deputado federal Tiririca (PR-SP), eleito em 2010 com mais de 1,3 milhão de votos - o mais votado do Brasil. O tom jocoso, no entanto, não foi proferido num programa de humor na televisão, ambiente onde o criador do hit brega "Florentina" é amplamente popular, mas numa audiência pública realizada no início do mês de novembro, em São Paulo. Embora elogiado por colegas - o vereador e pré-candidato à prefeitura de São Paulo, Netinho de Paula (PCdoB), por exemplo, assistiu a "performance" e cravou que Tiririca é "o cara" - a fala de 12 minutos do deputado de primeiro mandato parece evidenciar que, ao menos nessa reunião, o deputado pode ter se despido da função de coordenador regional da Frente Parlamentar em Defesa da Cultura da Câmara dos Deputados. "Um deputado busca participar de uma frente parlamentar porque imagina que isso pode ajudar a projetar sua imagem. Esse caso do Tiririca é também culpa da imprensa, que divulga uma audiência pública desse teor", defende Carlos Manhanelli, da Manhanelli Associados, uma consultoria de marketing político.
Já o professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Francisco Fonseca, minimiza e afirma que o tema defendido pelo parlamentar mais votado do Brasil é relevante."É razoável a criação de uma frente parlamentar para discutir a questão dos artistas. O Tiririca, como deputado federal, tem poderes para convocar uma audiência pública e acho que essa reunião se deu nesse contexto", opina o estudioso.
Embora criadas para fortalecer causas diversas no parlamento, com engajada participação de parte da população, da sociedade civil e de diferentes parlamentares e partidos políticos, o que existe nas esferas federal, estadual e municipal são incontáveis frentes cujos progressos efetivos pouco se conhece.
A Câmara dos Deputados, onde atuam 106 frentes, traz outras iniciativas que causam algum estranhamento: em 22 de março desse ano o deputado Márcio Marinho (PRB-BA) passou a coordenar a Frente Parlamentar em Defesa da Capoeira. Mais tarde, em 25 de agosto, o mesmo deputado passou a encabeçar a Frente Parlamentar em Defesa dos Países Africanos.
Já no Senado, as frentes atuam de forma informal, não sendo possível determinar quantas são e quais temas elas defendem.
- Campo minado: Presidente da Frente Parlamentar pela Reforma Política com Participação Popular, a ex-prefeita de São Paulo, Luiza Erundina (PSB), afirma que as audiências públicas contemplaram propostas de mais de 40 entidades da sociedade civil, as mesmas que patrocinaram a lei da Ficha Limpa."A frente existe desde 2002 e foi recriada nessa legislatura contando com deputados e senadores por conta da possibilidade de apresentar uma proposta da reforma política. Fizemos várias reuniões e audiências públicas pelo Brasil afora e criamos uma proposta alternativa que está tramitando na Comissão Especial da Câmara", afirma a deputada.
Dentre os itens da proposta apresentada pela frente estão o voto em lista, o fim das coligações, financiamento público de campanhas eleitorais e o voto revogável, onde o eleitor faz um recall dos eleitos. Erundina, no entanto, admite frustração com a matéria admitindo que "mais do que corporativos, os interesses individuais de parlamentares da Câmara e do Senado são um grande empecilho aos avanços nessa questão".
Outro ponto destacado pela deputada é que Câmara e Senado tomaram rumos diferentes no debate. Enquanto a primeira promoveu audiências públicas, a segunda promoveu encontros fechados e só apresentou como unanimidade o financiamento público das campanhas. Ainda que admitindo frustração, Erundina afirma que tanto ela quanto as organizações que se mobilizaram não vão baixar a guarda. "Mesmo que a nossa proposta não seja aprovada, vamos fazer um esforço para convencer o relator da reforma política a contemplar algumas de nossas propostas. Essas entidades não são de desistir não. Continuaremos lutando", avisa.
Carlos Manhanelli, no entanto, refere que o tema, além de ser polêmico, tem outra barreira considerável: a cultural. "A população desconhece o tema da reforma política. Basta ver que se você fizer uma pesquisa sobre o que faz um vereador, a população não vai saber responder. O mesmo vale para deputado, etc", registra.
Já Fonseca opina que as frentes parlamentares que se dedicam a temas espinhosos, como a reforma política, na verdade devem ser encaradas como uma vitória do Legislativo que, de alguma forma, "traz a sociedade para o debate e isso é exitoso" ainda que "para atuar num campo minado de muitos vértices". O pesquisador da FGV acrescenta que, por ter muitos atores da política no centro do debate da reforma político-eleitoral, é preciso construir uma maioria consolidada para aprová-la."Uma Constituinte exclusiva formada por membros não partidários, talvez poderia ser uma alternativa", opina.
Já Carlos Manhanelli pondera que uma atuação mais efetiva das entidades da sociedade civil nessa discussão seria importante e que só as redes sociais não são capazes de garantir mobilização."A gente vê na internet uma grande mobilização nas redes sociais em torno do voto distrital. Mas os políticos ignoram. Reforma política e voto distrital não é um tema procurado como 'sexo' na internet. Enquanto a televisão vende, a internet compra", compara explicando que a internet ainda está longe de ser uma ferramenta de comunicação popular.
- São Paulo: Entre os temas defendidos nas 60 frentes parlamentares que atuam na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) promovendo reuniões diversas e audiências públicas, se verifica desde a Frente Parlamentar Evangélica, Em Defesa da Vida - contra o Aborto - à de Defesa da Família, Contras as Drogas e pela Não Legalização da Maconha.
Perguntado se as mesmas não poderiam ser unificadas numa só, Francisco Fonseca avalia que a mobilização contra o aborto não necessariamente comove quem é contrário ao consumo da cannabis ativa e que, assim, elas devem percorrer caminhos (frentes) distintas.
A primeira tem 24 membros e é coordenada pelo deputado Adilson Rossi (PSB) enquanto a última, com 40 integrantes, é conduzida pelo petebista Edson Ferrarini. Ambas têm a adesão de parlamentares de partidos de campos radicalmente opostos do ponto de vista ideológico como PT e PSDB. "A visibilidade de quem atua na frente parlamentar contra a maconha é muito maior do quem atua a favor, porque neste caso quem defende o uso livre da droga pode estar incentivando a prática de um crime", comenta o cientista Carlos Manhanelli
- Santas Casas: Manhanelli acrescenta que, dentre as frentes que produzem resultados no estado de São Paulo, está a de defesa das Santas Casas. Ele lembra que as audiências públicas e a pressão no parlamento paulista permitiram que o governo Geraldo Alckmin (PSDB) liberasse um repasse que soma R$ 188 milhões, que serão liberados ao longo de 2011. Coordenador da Frente das Santas Casas no estado, o peemedebista Itamar Borges relata que o novo desafio que está colocado é o reajuste da tabela do Sistema Único de Saúde, uma das principais fontes de recursos das entidades. "Essa tabela está com uma defasagem de 60% e as Santas Casas estão a beira da inviabilidade. Conseguimos os recursos no governo do estado porque atuamos em conjunto com a frente nacional, em Brasília. Em 15 de dezembro, faremos uma grande mobilização nacional aqui na Assembleia de São Paulo para pressionar o governo para reajustar a tabela", avisa. Para este encontro são esperados dirigentes da Confederação Nacional das Santas Casas, das federações estaduais, além de parlamentares das frentes nacional e estadual. O ministro da Saúde, Alexandre Padilha também é esperado.Borges, que também está à frente da Frente Parlamentar do Empreendedorismo e Contra a Guerra Fiscal, afirma ainda que dentre os objetivos da frente estão o apoio aos micro e pequenos empresários e uma mobilização para acabar com a guerra fiscal. "Conseguimos viabilizar na Assembleia, com o apoio do Sebrae, a criação de uma secretaria voltada para o micro e pequeno empreendedor no estado.
Mesmo que o governador não crie a secretaria, acredito que ele deve acolher as sugestões que levamos a ele no sentido de desburocratizar e diminuir a carga tributária de 12% para o setor. Também estamos trabalhando para que o estado, ao fazer suas comprar, priorize a produção de micro e pequenos empresários", relata.
Já o presidente do Legislativo paulista, Barros Munhoz (PSDB) constata ainda que as atividades das frentes parlamentares ajudam a reforçar um item bastante esquecido pela população, que está atrelado a atividade de cada parlamentar: a representação."A Assembleia de São Paulo é a mais participava do Brasil. Nós temos frentes parlamentares, as Comissões Permanentes. Você vai aqui no plenário não tem ninguém, mas você vai nas comissões e nas frentes parlamentares e tem um monte de gente. Isso é trabalho parlamentar, trabalho de representação, é ouvir a população sobre os mais diversos assuntos", enfatiza.
Ele lembra que a redução do Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) para a indústria têxtil paulista foi uma das lutas da Assembleia nesse período."Foi luta nossa a redução do ICMS. Nós não podemos propor a redução, mas nós podemos brigar com o Executivo politicamente", exemplifica.
- Apartidarismo: Francisco Fonseca completa que as frentes parlamentares, de um modo geral, têm por maior virtude o apartidarismo e seu enraizamento na sociedade e que isso garante a eficácia no atendimento de suas reivindicações."Eu não vejo com tanto pessimismo o mecanismo das frentes parlamentares. Quando o parlamento chama a sociedade para debater determinado tema é uma vitória importante. As duas principais características de uma frente parlamentar de vulto são justamente o caráter apartidário e a mobilização da sociedade civil em torno do problema. Quando se tem esses dois fatores, uma frente parlamentar reúne maiores condições de êxito", enfatiza.
Fonseca inclui entre as frentes mais importantes a frente que debate as comunicações, na Câmara dos Deputados, e a de Defesa da Defensoria Pública, no Legislativo paulista. O diretor da Manhanelli Associados registra que as frentes parlamentares existem desde os primórdios da democracia, mas que a partir da Constituição de 1988 ganharam caráter oficial no País. "A frente parlamentar é casual, defende uma causa e pode reunir diferentes cores partidárias em nome de uma causa justa", conclui
http://www.dci.com.br/EspecialCamara-dos-Deputados-e-Assembleia-paulista-detem-frentes-de-assuntos-variados-434-400606.html
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