domingo, 18 de abril de 2010

ENTREVISTA AO DIÁRIO DO NORDESTE


Entrevista - Carlos Manhanelli
*presidente da Associação Brasileira de Consultores Políticos

´Não existe voto partidário, o voto é na pessoa´
PRESIDENTE DA Abcop diz que as eleições deste ano servirão de "laboratório" para avaliar uso da internet


O marketing político é importante para as eleições, mas não é determinante porque os políticos não são fabricados, é o que defende o cientista político Carlos Manhanelli

Por que o marketing político vem ganhando cada vez mais força nas últimas eleições?

O marketing político surgiu no Brasil em 1954, na campanha pela Prefeitura de Belo Horizonte, disputada por Celso Azevedo (UDN) e Amintas de Barros (PSD). A campanha de Celso Azevedo, o vencedor, foi feita pela JMM, empresa de João Moacir de Medeiros, o pioneiro do marketing político no Brasil. A campanha do Celso estava muito ruim e, caso não houvesse uma mudança de rumos, ele iria sair completamente arrebentado. Foi então que, em cinco semanas, João Moacir de Medeiros aplica todas as técnicas que conhecia de propaganda e marketing e acaba revertendo a situação do Celso. Com isso percebemos que já em 1954, com pouca tecnologia na área de comunicação, numa época em que era mais utilizado o rádio, você tem uma demonstração da força do marketing político, mesmo com insuficientes recursos e quase nada de tecnologia. Hoje, com toda tecnologia desenvolvida, com a veiculação que se tem, com as ferramentas tecnológicas, até a internet, você imagina o que é coordenar toda uma campanha sem um profissional. O profissional de marketing político tem o papel de coordenar todas as ações de marketing, comunicação, publicidade e propaganda envolvidas em uma campanha eleitoral.

O velho estilo de se fazer política, com comícios, discursos, corpo-a-corpo com os eleitores, está ultrapassado?

Não, isso não está ultrapassado e não vai ficar ultrapassado em tão pouco tempo. As pessoas estão confrontando as novas técnicas de comunicação, com as técnicas mais tradicionais. Isso não é verdadeiro. Você tem que casar as técnicas mais tradicionais com as técnicas mais modernas, cada uma tem seu estilo, cada uma dessas técnicas ainda cabe em uma campanha eleitoral, nas suas proporções devidas. Hoje todo mundo fala muito que a internet vai ser o grande fenômeno de comunicação das campanhas eleitorais, mas não é bem assim. Por exemplo, nós fizemos uma pesquisa de designação de metas nas campanhas eleitorais, e o investimento em internet, de acordo com os membros da Associação Brasileira de Consultores Políticos (Abcop), não passará de 9% do valor que vai ser investido nas campanhas. Então nós temos as tradicionais ferramentas de campanha eleitoral misturadas com as novas técnicas, significando um avanço tecnológico nas campanhas eleitorais. As [técnicas] tradicionais ainda têm o seu peso, nós temos pessoas, hoje, que participaram da campanha da década de 1950 e que ainda são suscetíveis aos métodos tradicionais de ferramentas de campanhas eleitorais.

Um candidato com chances de se eleger nasce espontaneamente ou é criado a partir de estratégias de marketing?

Um candidato hoje tem que ser, no mínimo atualizado, em políticas públicas, existe um engano quando se imagina que o marketing político ou a propaganda eleitoral pode fabricar um candidato. Isso não existe. Não existe fabricação para um candidato. O candidato hoje não é criado. O candidato tem que ter um mínimo de qualidade para que ele possa ter alguma condição sequer. Se ele não tiver isso, infelizmente, não dá para fazer nada. Não é qualquer um que é candidato.

A eleição de Lula é um paradigma nesse sentido. É possível dizer que ele só foi eleito depois de se submeter a estratégias de marketing que suavizaram a imagem do operário do ABC paulista dos anos 1980?

Exatamente isso. Para quem acompanhou a trajetória do Lula quando ele foi preso na década de 80, percebe que ele trocou a imagem de radical, por uma imagem de presidente defensor dos mais fracos, dos mais oprimidos, daquele que viria para resolver os problemas da população. Ele estava vivendo e revivendo o mesmo problema e em sua campanha decisiva, em 2002, percebeu que só faltava uma coisa: suavizar a imagem. A raiva que ele tinha na voz, a sua postura e as roupas que vestia davam a impressão para a população que ele iria pegar em armas quando estivesse no poder. É isso que em 1989 foi designado pelas pesquisas. Ele mudou estrategicamente, evidentemente, para um indivíduo chamado "sem medo de ser feliz", que era o mínimo que as pessoas esperavam e que as pesquisas mostravam para o PT. A população tinha medo de votar naquele indivíduo raivoso. Quando um técnico, um profissional de marketing político assume a campanha, a primeira coisa que ele faz é isso, tirar aquela imagem raivosa e mostrar que esse em que você iria votar, aquele que tinha a imagem pronta para ser presidente, era um conciliador e não um revolucionário socialista.

Transformações do ponto de vista estético são importantes para tornar o candidato mais viável?

No ponto de vista estético, sim. A imagem é fundamental. Quando se fala de imagem e estética, é preciso casar a imagem que você está passando com a imagem que a população já enxerga. Isso quer dizer que tudo tem que colaborar com a imagem a qual você passa para a população, naquelas quatro famosas imagens do mundo do marketing político. O político só pode ter quatro imagens para passar para a população. Ou ele vai ser o grande pai que vai cuidar dos fracos e oprimidos, ou ele vai ser o herói que vai resolver todos os problemas da cidade, do estado ou do país, ou vai ser o líder, "charme", que através da sua presença e da sua simpatia consegue os votos ou vai ser o homem simples que emerge das massas para comandá-la. Essas quatro figuras são consagradas por um livro chamado ´O Estado Espetáculo´, do sociólogo francês, Roger Gerard Schwartzenberg. Foi ele que, na década de 70, consagrou no mundo do marketing político as quatro imagens que o candidato pode passar. Então, quando se fala em estética e em imagem do candidato, a estética e a apresentação tem que colaborar com a imagem que você vai passar para o seu eleitor.

Para as eleições de 2010, Dilma Rousseff é apoiada por Lula, mas ainda não goza da mesma popularidade que o presidente. O marketing pode transferir essa empatia e garantir a eleição da ex-ministra?

Não. Empatia não se transfere, empatia é pessoal. Ela tem que desenvolver isso por si, se ela não conseguir vai ser difícil vir dela qualquer empatia com a população. A empatia que o Lula tem é pessoal. Temos que lembrar que no Brasil não existe voto partidário, o voto é na pessoa. Por exemplo, se vota no Lula, não se vota no PT, é diferente. Então hoje a grande dificuldade da Dilma é isso. Você não tem o voto no partido, você tem o voto no Lula e o voto do Lula não se transfere automaticamente para a Dilma. O que se transfere para a Dilma é o voto do PT, que é diferente do voto do Lula.

Qual o grau de influência das pesquisas de opinião para a definição do voto entre os eleitores?

A pesquisa em si não influencia ninguém. O que influencia é a divulgação da pesquisa. A divulgação da pesquisa sempre influenciou uma parcela da população. É uma parcela da população do "bandwagon", que aqui no Brasil nós transformamos em "Maria vai com as outras", "Eu não quero perder meu voto". Nós temos uma parcela da população que é influenciada pela divulgação das pesquisas, mas é apenas uma parcela e não a totalidade. Essa parcela não é maioria, já foi maioria. Já existiu aqui no País um sentimento muito arraigado de não querer perder o voto, de esperar para ver o candidato que está na frente nas pesquisas para poder acompanhá-lo. A partir da década de 90, a população despertou.

Costuma-se dizer que a campanha eleitoral começa para valer depois de iniciada a propaganda obrigatória em rádio e, principalmente, televisão. Isso pode ser considerado verdade?

Para o eleitor é verdade, para o político, não. Para o político, a campanha começa assim que ele termina a sua gestão ou que ele define o objetivo de ser candidato. Uma campanha de presidente da República é feita durante os quatro anos ou até nos oito anos de mandato do adversário. O candidato começa sua próxima campanha no dia em que ele perde ou no dia que ele decide ser candidato. Se você pegar o Serra, por exemplo, ele está em campanha para presidente há oito anos. Agora para o eleitor realmente só fica visível a partir do momento que o candidato vai para a mídia, que começa a eleição etc. Nos bastidores, a campanha eleitoral para o político começa muito tempo antes.

Qual será o impacto da recente modificação na legislação eleitoral para o planejamento de marketing dos candidatos em 2010?

A única coisa significativa que mudou foi a entrada da internet. Até a última eleição, a legislação não permitia o uso da internet na sua plenitude. A lei 12.034/09 é a lei que regula, permite e dá condições que você faça o uso pleno da internet. Isso vai nos dar a possibilidade de fazer o primeiro laboratório para saber realmente o que funciona na internet em campanha eleitoral. Não existe nenhum profissional no Brasil que possa bater no peito e dizer que isso ou aquilo na internet vai funcionar. Ninguém tem certeza. Nunca foi usada a internet na sua plenitude. Essa campanha eleitoral será o grande laboratório, onde serão testadas todas as ferramentas da internet e depois da eleição é que nós saberemos que ferramentas funcionam. Tem deputado comprando serviço de internet, gastando mundos de dinheiro, e isso pode ser o maior equívoco que ele esteja cometendo.

A internet pode ter papel decisivo nas eleições deste ano?

Em hipótese nenhuma. O que se tem hoje é aquilo que é formado na televisão para as campanhas majoritárias. A intimidade que o candidato consegue com o eleitor, o grau de comunicação que ele consegue ter com o eleitor e a interatividade, nisso sim entra a internet, que é a única ferramenta interativa, além do telefone, em comunicação. Que isso esteja muito claro, para as majoritárias você vai ter o peso da internet, que não é grande, vai ser só 9%. Agora nas campanhas proporcionais é mais complicado, imaginem quantos deputados vão querer falar com o eleitor, isso vai virar uma loucura, e ninguém sabe como impulsionar uma campanha eleitoral proporcional, principalmente na internet.

A campanha presidencial de 2010 parece já ter começado no ano passado, quando pré-candidatos como Dilma, José Serra, Ciro Gomes e Marina Silva viajaram pelo País, participando de eventos públicos. Antecipar a campanha política é uma estratégia boa ou arriscada?

É a melhor estratégia que poderia existir. Temos que lembrar que os Estados Unidos, que é um exemplo de democracia, começou sua campanha com as primárias um ano e meio antes da data da eleição. Nos Estados Unidos tem um ano e meio de campanha eleitoral com as atividades eleitorais acontecendo. Aqui as campanhas acontecem em três meses. Essa vai ser umas das grandes diferenças do uso da internet no Brasil e nos Estados Unidos. Na campanha Obama todo mundo acha que a internet ganhou, ajudou a ganhar, mas foi um ano e meio de campanha na internet, segmentando e construindo um canal de comunicação com o eleitor. Aqui, só temos três meses. Vamos parar de brincadeira.

Como um "marqueteiro" analisaria o cenário de candidaturas à Presidência?

Essa eleição é polarizada, toda mídia, toda a comunicação, todo mundo que fala em campanha presidencial, só fala em dois candidatos. Eu tenho várias entrevistas, onde todo mundo pergunta só sobre a Dilma e o Serra. Porém nós temos mais gente aí, temos o Ciro, a Marina, nos temos o Plínio que entrou agora, todo mundo pode ser presidente da República, mas a mídia não quer saber deles, todo mundo só aposta no Serra e na Dilma. É uma campanha que nasce polarizada, as expectativas são de uma discussão ideológica e de modus operandi.

Fique por dentro
Quem é Manhanelli

Carlos Manhanelli é presidente da Associação Brasileira de Consultores Políticos (Abcop), membro da Internacional Association of Political Consultants. É publicitário, jornalista, radialista e administrador de empresas. Tem especialização em Propaganda e Marketing pela ESPM, MBA em Marketing pela USP, pós-graduado em Ciência Política pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo e Mestre em Comunicação Social pela Universidade Metodista de São Paulo. É ainda autor de 11 livros sobre marketing político . Carlos Manhenelli é palestrante do 9º. Congresso Brasileiro de Estratégias Eleitorais e Marketing Político, que ocorrerá nos dias 23 e 24 de abril, no Hotel Oásis Atlântico. Informações pelos telefones: (85) 3224-1838 / 4101-9189


Ícaro Joathan

Um comentário:

  1. Grande mestre Manhanelli, mais uma vez colocando suas ideias de forma inteligente, transparente e esclarecedoras. Excelente entrevista!

    abraços
    Guga
    www.gugafleury.com.br

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