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7/01/2017 07:01 Raphael Martins
Nem havia amanhecido na segunda-feira
2 quando o prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB), chegou à Avenida Nove
de Julho, no centro da cidade, para ajudar em um mutirão de limpeza e varrer o meio
fio. Não se tratava de filantropia. O tucano anunciou sua ida ao local dias
antes, convocando jornalistas a pularem da cama antes das 6 horas da manhã para
o primeiro ato de seu governo. Surgiu para a multidão de fotógrafos devidamente
trajado com o uniforme de gari da capital e sapatênis da grife Osklen — cujo
preço (500 reais) é cerca de metade do salário mensal dos funcionários. Doria
apareceu ao lado de secretários, varreu a calçada por dez segundos, foi à
padaria tomar um pingado e cumprimentar eleitores. Finalizada a ação, partiu
para a prefeitura com sorriso no rosto: a inauguração do programa Cidade Linda,
que montará semanalmente mutirões de zeladoria para os grandes eixos da cidade,
havia sido um sucesso.
O prefeito autointitulado “não político”
mostrou, na primeira semana no cargo, o que deve ser uma tônica de seu governo:
comunicação e marketing afiados. Doria tem longa experiência em comunicação à
frente do Grupo Doria, que, além de uma editora de revistas e consultoria de
marketing, faz eventos com grandes empresários. Nestes eventos, ele é conhecido
por cuidar de detalhes, da vestimenta dos convidados ao lugar em que cada
convidado vai sentar. “Tenho duas calças brancas, e só uso para cumprir o
figurino dos eventos dele”, diz um conselheiro de grandes empresas. Doria
acumula também experiência como jornalista, quando apresentava o programa Show
Business, na TV, Bandeirantes. Isso faz com que, nas aparições na TV, esteja
sempre no melhor ângulo, olhando diretamente para a câmera.
O resultado da primeira ação no cargo? As
imagens e fotos da varrição ficaram ótimas, como se vê no topo da página.
Segundo Doria essa é “uma demonstração de igualdade, humilde e trabalho”,
mas há quem discorde. ““Dá para ver que a cidade pode se tornar palco para o exibicionismo
do tucano, que vendeu inovação durante a campanha, mas não deu um passo longe
da velha política”, afirmou o vereador de oposição Toninho Vespoli (PSOL), na
segunda.
Doria promete que essa não será a única vez
que vai às ruas. Um calendário de ações do Cidade Linda foi montado, passando
por eixos como as avenidas Paulista, 23 de Maio e Tiradentes. “Todas as semanas
em quatro anos [estarei lá]. E olha, acordem cedo, hein?”, disse o prefeito.
A lista de eventos e
ações continuou. Mais tarde na segunda, anunciou suas primeiras medidas de
corte de gastos numa concorrida coletiva. Determinou redução de 15% dos valores
de contratos de empresas com a prefeitura, leilão de 1.300 veículos oficiais
para gerar caixa, redução de 30% dos cargos comissionados e a alocação de um
“gestor de economia” em cada uma das secretarias da prefeitura, para estruturar
cortes nas contas de água, luz, telefone e outros.
Parece uma agenda negativa, mas Doria
tratou de inverter o jogo. “A crise pela qual passa o país gerou um apelo de
marketing sobre a produtividade e a eficiência da gestão estatal”, afirma Fábio
Klein, especialista em contas públicas da Tendências Consultoria. “Ganhou força
o discurso de gerir com mais eficácia o setor público”. Na quarta, houve
coletiva sobre a gestão do Theatro Municipal, marcado no ano passado por um
esquema de corrupção na administração interna, e o anúncio de multa para os
secretários atrasados para reuniões. Na quinta, o prefeito inaugurou um novo
sistema de iluminação na Ponte Estaiada, cartão-postal da cidade, junto com uma
grande limpeza das pichações.
O estilo frenético gerou comparações com um
velho antecessor: Jânio Quadros, que governou a cidade em dois períodos, de
1953 a 1955 e 1986 a 1989. Sua caracterização como gari em muito se assemelha
às performances do ex-prefeito, conhecido por sacar um bloco de multas e
aplicar autuações de trânsito pessoalmente. A própria vassoura virou símbolo de
Jânio, que pretendia faxinar os corruptos. “Doria é um homem de mídia e sabe
como chamar os jornalistas e se apresentar”, explica Carlos Manhanelli,
cientista político especialista em marketing eleitoral.
Antecessor de Doria, Fernando Haddad (PT)
nunca foi próximo da mídia. As três conquistas de seu mandato segundo sua
própria avaliação, como a renegociação da dívida do município, a obtenção de
grau de investimento e a criação da Controladoria do Município foram
ressaltadas aquém do que deveriam. “Em comunicação política não adianta fazer
um mandato muito bonito e não falar o que está fazendo. O Haddad achou que
fazendo uma cidade mais humana, com ciclovias e ruas abertas, e as pessoas iam
reconhecer. Se nem ele divulgou e deu o devido valor, porque o cidadão
daria?”, diz Manhanelli.
Na campanha eleitoral, Haddad atribuiu as
más avaliações ao fato de cortar gastos com publicidade. De fato, o ex-prefeito
Gilberto Kassab (PSD) entregou a cidade em 2012 gastando 162,8 milhões de reais
nas verbas de publicidade. Haddad cortou o investimento para 121,5 milhões em
2013, reduzindo aos poucos até 70,5 milhões de reais, em 2015. Mas o segredo de
Doria está na mídia espontânea. Nos primeiros dias de mandato, quando qualquer
passo é monitorado, o prefeito se aproveita do holofote para mostrar que está
se mexendo, mesmo que os efeitos práticos na agenda da cidade não sejam os mais
urgentes.
Ganhar espaço com mídia espontânea é
fenômeno também em outros países. Donald Trump aposta em seu Twitter, onde
disparou —e ainda dispara— ataques a adversários e dá sua opinião sobre
episódios de política externa. Cada tweet, uma machete. O ex-prefeito de
Londres Boris Johnson é outro exemplo. A seu estilo falastrão e de humor
questionável nas declarações, foi o líder da campanha pela saída do Reino Unido
da União Europeia, o Brexit. Com a popularidade que ganhou, chegou a ser
cogitado para primeiro-ministro. Assim como Doria, era jornalista e foi
intensamente questionado se tinha capacidade de governar. Virou chanceler.
Para Doria, os perigos são dois. O mais
simples é o desgaste que as medidas tomadas venham a sofrer. O exemplo mais
claro é o aumento de velocidade das marginais Tietê e Pinheiros. Estudos
mostraram durante o final do mandato passado que a redução determinada por
Haddad reduziu além da média nacional o número de mortes no trânsito. Caso
acidentes fatais voltem a acontecer, Doria será pessoalmente cobrado. O segundo
é que se, com o passar do tempo, os eleitores notarem pouca ou nenhuma melhoria
nos problemas estruturais da cidade, sua popularidade e apoio devem despencar.
“O eleitor escolhe o candidato e tem uma
certa paciência por um tempo. Há um estoque de credibilidade, com prazo para
entregar algum resultado. Essa paciência costuma durar 100 dias”, afirma Victor
Trujillo, especialista em marketing político da Escola Superior de Propaganda e
Marketing (ESPM). “Ao final do período já deu para pôr a casa em ordem. Se as
ações de agora vão ser eficazes, resta saber se a longo prazo vão de fato
empolgar o eleitorado para estar do lado dele e motivar os servidores, criando
um círculo virtuoso”.
Diz Trujillo que, por enquanto, o eleitor
se satisfaz apenas em ver o prefeito tomando atitudes, mesmo que simples. “Ver
algo se materializar, alguma novidade, balançar a poeira, já é bastante
positivo”, diz. “Para se conectar com eleitor é muito produtivo,
independentemente de ser eficaz e traduzir em algo positivo ou um tiro no pé lá
na frente”. Segundo o professor, trata-se de um trailer do filme, um pequeno
teaser para gerar interesse da população.
Em geral, os aliados comemoram a postura do
novo prefeito. “Doria confirma um estilo diferente de relação do político com a
sociedade, que o torna bem mais interessante para a mídia”, diz um tucano. A
percepção geral dentro do partido é de que o mandato começou com “dinamismo
pragmatismo, muita vontade de fazer as coisas”, diz outro dirigente do partido.
Mas, claro, há narizes torcidos. “Se
aparece vestido de gari ou de odalisca, o que importa é o resultado da prática.
Eu não faria esse show. Teria uma postura mais séria”, diz Alberto Goldman,
ex-governador de São Paulo e vice-presidente do PSDB. Há também relações que
azedaram. Um dos grandes apoiadores de Doria foi o vereador e presidente do
diretório municipal do PSDB, Mario Covas Neto. O Zuzinha, como é conhecido,
buscou apoio do prefeito para ser presidente da Câmara Municipal em troca do
suporte dado a ele nas prévias para a eleição de 2016. Viu o barco afundar
quando Doria anunciou apoio a Milton Leite (DEM), que acabou eleito com 50 dos
55 votos. Hoje, a dupla mal se fala.
Apesar de alguns conflitos, o “não
político” Doria pode usar também o poder do marketing para dominar também a
Câmara e aprovar suas medidas. Os vereadores chegam no íntimo de pequenos
redutos eleitorais na cidade, quase na casa do seu eleitor. Se a aprovação
pública for crescendo, a Câmara tende a perceber de perto a pressão — algo que
acontece menos com a Câmara dos Deputados, isolada em Brasília. “Nenhum
vereador vai virar as costas para o prefeito se a comunidade que lhe dá
sustentação está favorável”, diz Trujillo, da ESPM. Para Goldman, se o show vai
vir seguido de um bom governo, ou se é só uma tentativa de cobrir futuras
ineficiências, só o tempo vai dizer. Faltam 1.453 dias de governo Doria.
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