segunda-feira, 17 de maio de 2010

Presidenciáveis encaram saia-justa no rádio popular

ENTREVISTA ESTADÃO
10 de maio de 2010 0h 00
Flávia Tavares, Angela Lacerda, Júlio Castro, Tiago Décimo e Carmen Pompeu - O Estado de S.Paulo

Um jornalista que chame um presidenciável de pé frio ou o atraia para uma saia-justa com perguntas maliciosas seria, muito provavelmente, evitado ao máximo pelos candidatos e suas assessorias. Mas, num período em que os políticos ainda não podem fazer propaganda e se dirigir sem intermediários ao eleitorado, a mídia é sua principal arma e os tais jornalistas "inconvenientes" são até procurados pelos pré-candidatos.
Quando os presidenciáveis viajam pelos Estados e têm o objetivo de se mostrar para o público local em programas de grande audiência falar com radialistas populares é parada obrigatória. É o caso dos jornalistas Eduardo Costa e Mônica Miranda, da Rádio Itatiaia, de Belo Horizonte. Dilma Rousseff (PT), José Serra (PSDB) e Marina Silva (PV) já passaram pelos microfones da emissora de maior audiência de Minas.
No início de abril, Dilma foi a Belo Horizonte determinada a reforçar a estratégia de se vincular à terra em que nasceu - e da qual se mudou em 1973, indo para Porto Alegre. A petista escorregou na "casca de banana" lançada pelos entrevistadores ao admitir a hipótese de o eleitorado mineiro optar por um movimento já batizado de "Dilmasia" - de votar em Dilma para presidente e no aliado de Aécio Neves (PSDB), Antonio Anastasia, para o governo. Detalhe: os então pré-candidatos do PT ao governo de Minas, Patrus Ananias e Fernando Pimentel, acompanhavam a ex-ministra no estúdio.
"Quando Dilma respondeu aquilo, percebi que ela tinha falado uma grande bobagem", disse a apresentadora. Costa e Mônica concordam num ponto: a petista e Serra estão se esforçando ao máximo para contrariar a impressão geral de que são pouco carismáticos.
Jogo de cintura. "Ir a programas populares, seja de rádio ou de TV, é a forma que os políticos têm de falar para um público que não assiste à TV Câmara ou à TV Senado", avalia Sirio Possenti, professor do Departamento de Linguística da Unicamp e especialista em análise do discurso. "A linguagem tem de se diferenciar para essa audiência. Se o político não consegue falar na toada do apresentador, pode ser tido como muito duro e sem jogo de cintura."
Na Rádio Itatiaia, Mônica tentou tirar Serra do sério ao lembrar a fama de pé frio do ex-governador no futebol e atribuir a ele a derrota do Cruzeiro na decisão da Taça Libertadores do ano passado - Serra assistiu ao jogo no Mineirão, ao lado do então governador Aécio Neves. O tucano, palmeirense fanático, reagiu com fleugma.
Para Eduardo Costa, a entrevista mais interessante foi a de Marina, que relatou sua história de vida. Mônica não concorda, mas lembra que a pré-candidata do PV foi a mais "paparicada" na rádio. "Como diz um amigo, quem vota na Marina é ambientalista e jornalista", provoca.
Em Pernambuco, o microfone obrigatório é de Geraldo Freire, "o comunicador da maioria". O programa é o Supermanhã, líder de audiência há 19 anos. A emissora é a Rádio Jornal de Pernambuco, a que "fala para o mundo". Com essas credenciais, Freire, 57 anos, 44 de carreira, não precisa de esforço para ser escolhido pelos presidenciáveis nesta fase de pré-campanha.
Em abril, ele entrevistou Serra e Dilma. Amigo do presidente Lula, ouviu dele, no ar, em uma de suas visitas ao Estado que "quem vem a Pernambuco e não vem ao programa do Geraldo Freire, não vem a Pernambuco". Pelo microfone de Geraldo já passaram personalidades políticas como Tancredo Neves, Mário Covas, Ulysses Guimarães e Fernando Collor.
Bom relacionamento. Irreverente, Geraldo fala palavrão no ar e não poupa ninguém. Ele sempre declara seu voto depois de cada eleição, o que nunca o impediu de ter bom relacionamento com políticos de todos os matizes ideológicos. É considerado amigo de Lula - relação iniciada quando o presidente "não era nada" - e do senador Jarbas Vasconcelos (PMDB).
Em sua mais recente visita à Bahia, em abril, Serra teve como última programação uma entrevista. no estúdio da Rádio Metrópole FM, ao apresentador Mário Kertész, que já foi prefeito de Salvador. Menos de uma semana depois, no dia 20, foi Dilma, quem "apareceu" no dial da capital baiana, em entrevista, por telefone, a José Eduardo Alves, conhecido como Bocão, apresentador da Rádio Sociedade AM.
As entrevistas não foram garimpadas pelos apresentadores ou pela produção das emissoras. Foram os próprios assessores dos candidatos que entraram em contato com as rádios. "Nosso programa tem audiência de 120 mil pessoas por minuto", justifica Bocão. "É uma rádio feita para a zona rural, para a periferia. É natural que procurem."
Na avaliação do publicitário Carlos Manhanelli, a campanha de Dilma é que está forçando essa aparição e a de Serra vai atrás. "Ela é a candidata de gabinete, que precisa aumentar sua exposição. No momento, eles estão buscando ampliar o tal índice de conhecimento. Só depois vão apresentar propostas e pedir votos", opina o publicitário.
Para Manhanelli, quando os pré-candidatos são entrevistados e cantam, por exemplo, um tango ou um samba - como Dilma e Serra já fizeram -, eles mostram aos eleitores que são humanos e "destroem a ideia de que políticos são produtos como sabonetes".
Âncora do programa Osman Lincoln é o Show, que vai ao ar na rádio Cultura Jovem Pan AM, de Joinville, Osman Lincoln entrevistou Dilma por telefone em 26 de abril. Durou 40 minutos. "A repercussão da entrevista superou todas as expectativas. A Dilma aproveitou bem o espaço para expor suas ideias. Já estamos mexendo os pauzinhos para ouvir Serra e Marina."
Segundo Sirio Possenti, o tom de voz no rádio pode ser determinante para causar uma boa impressão. "Se o candidato gagueja, não fica à vontade, passa uma ideia de insegurança, de pouca clareza. Se fala firme, parece ser uma pessoa segura e sólida."
Possenti atribui esse esforço de aparecer em programas populares a uma tendência mundial de mudança no discurso político. "A intenção dos políticos agora é parecer simpático, parecer seguro e parecer saber o que diz", explica.
Espaço na agenda. A assessoria de Dilma chegou a pedir que ela fosse ouvida pelo radialista de maior audiência do Ceará, Paulo Oliveira, quando esteve em Fortaleza em 13 de abril. A petista deu azar, pois não tinha nenhum espaço na agenda entre 5 e 9 horas da manhã - e acabou participando do programa conduzido por Ênio Carlos, titular do horário que sucede o de Paulo Oliveira, na Rádio Verdes Mares.
Serra agendou para o dia 18 deste mês sua participação no programa. O radialista pretende fazer-lhe duas perguntas básicas: "Quem é José Serra?" e "O que José Serra pretende fazer como presidente da República?". "Vou abordar também o boato de que ele não gosta de nordestino, espalhado na região nas eleições de 2002", diz Oliveira. "Ao responder perguntas maliciosas ou difíceis e mostrar que não são robôs, os candidatos tendem a se aproximar do eleitorado", afirma Possenti.
Para entenderAs mudanças na lei eleitoral aprovadas pelo Congresso no ano passado permitiram oficialmente que pré-candidatos concedam entrevistas a emissoras de rádio e televisão. De acordo com a nova regra, entrevistas não constituem propaganda eleitoral antecipada, desde que não haja pedidos de votos - os pré-candidatos podem, inclusive, expor plataformas de governo e assumir promessas de campanha.
Antes das alterações, havia margem na legislação para considerar estas entrevistas como propaganda fora de época - uma posição, no entanto, que nunca foi acolhida pela Justiça. As mudanças do ano passado apenas incorporaram a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20100510/not_imp549475,0.php

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